As Rampas de Mosturação Mais Utilizadas na Brassagem e Seus Impactos na Cerveja
A mosturação é uma das etapas mais importantes do processo cervejeiro. Nela, enzimas presentes no malte transformam amidos, proteínas e outros componentes em açúcares fermentáveis e substâncias que vão influenciar diretamente corpo, espuma, atenuação, equilíbrio sensorial e até a formação de off-flavours.
A seguir, apresentamos as rampas mais utilizadas nas brassagens profissionais e o impacto que cada uma pode gerar na fermentação e no resultado final da cerveja.
1. Acid Rest (35–45 °C)
Objetivo: Ajuste natural de pH pela ação de fitases e outras enzimas.
Impactos na fermentação e no produto final
- pH mais baixo facilita a eficiência das demais rampas.
- Contribui para cor mais brilhante e maior estabilidade.
- Melhora a atividade enzimática, impactando atenuação e eficiência.
- Pode deixar a cerveja com leve suavidade maltada.
Benefícios
- Útil em maltes pouco modificados.
- Ajuda a reduzir taninos e adstringência.
- Melhora a extração enzimática geral.
Pontos fracos
- Hoje é pouco utilizada, pois maltes modernos já possuem poder tampão adequado.
- Excesso pode resultar em mosto ácido demais, prejudicando a espuma.
2. Rampa de Proteólise / Protein Rest (45–55 °C)
Objetivo: Quebra de proteínas em cadeias menores (peptonas, aminoácidos).
Impactos na fermentação e no produto final
- Aumenta a quantidade de FAN (nitrogênio assimilável) → fermentação mais saudável.
- Pode melhorar retenção de espuma (quando bem controlada).
- Contribui para clareza da cerveja, reduzindo turbidez proteica.
- Cervejas com muito adjunto (milho/arroz) se beneficiam ainda mais.
Benefícios
- Otimiza nutrição da levedura → fermentação mais rápida e completa.
- Reduz riscos de haze frio.
- Ajuda em cervejas leves, como pilsners e lagers claras.
Pontos fracos
- Tempo excessivo ou temperatura alta produz peptídeos pequenos demais →
perda de corpo e baixa estabilidade de espuma. - Maltes modernos já são bem modificados → proteólise demais prejudica sensorial.
3. Rampa de Beta-Glucanase (40–45 °C)
Objetivo: Reduzir beta-glucanos (gomas), melhorando fluidez e filtração.
Impactos na fermentação e no produto final
- Mosto mais fluido → melhor extração e rendimento.
- Reduz risco de turbid haze.
- Facilita filtração em cervejarias que utilizam centeio, trigo, aveia.
Benefícios
- Evita stuck mash.
- Melhora clarificação e estabilidade da cor.
Pontos fracos
- Baixo impacto sensorial direto—é principalmente técnico.
- Desnecessário com maltes bem modificados, exceto quando há adjuntos ricos em gomas.
4. Rampa de Beta-Amilase (62–65 °C)
(Também chamada Sacarificação Baixa)
Objetivo: Produzir açúcares altamente fermentáveis → mais atenuação.
Impactos na fermentação e no produto final
- Mosto mais rico em maltose → fermentação rápida e limpa.
- Cervejas mais secas, com maior drinkability.
- Corpo mais leve.
- Pode destacar amargor e aumentar percepção de secura.
Benefícios
- Esqueletiza o mosto para estilos mais secos:
American Lager, Brut IPA, Belgian Golden, Saison. - Melhora rendimento fermentativo e reduz resíduos de açúcar.
Pontos fracos
- Menor formação de dextrinas → pouco corpo e baixa sensação maltada.
- Pode aumentar risco de percepção de álcool quente, pois a fermentação é muito vigorosa.
- Em excesso, pode gerar cervejas aguadas.
5. Rampa de Alfa-Amilase (67–71 °C)
(Sacarificação Alta)
Objetivo: Produção de açúcares menos fermentáveis (dextrinas).
Impactos na fermentação e no produto final
- Mosto menos fermentável → corpo mais cheio.
- Final mais adocicado ou macio.
- Fermentação tende a ser mais lenta e com menor atenuação.
- Promove sensações de cremosidade e volume de boca.
Benefícios
- Essencial para estilos encorpados:
NEIPA, Barley Wine, Stout, Doppelbock. - Contribui para estabilidade de espuma.
- Gera uma sensação de doçura maltada agradável.
Pontos fracos
- Cerveja pode ficar doce demais se exagerar.
- Atenuação baixa pode levar a:
- subcarbonatação,
- menor estabilidade microbiológica,
- risco de diacetil residual (fermentação lenta).
6. Mash-Out (76–78 °C)
Objetivo: Parar atividade enzimática e reduzir viscosidade.
Impactos na fermentação e no produto final
- Define o perfil final de açúcares → estabilidade do corpo.
- Garante que a fermentação receba um mosto com composição fixa.
- Facilita lautering, evitando subextração ou superextração de taninos.
Benefícios
- Melhora rendimento de lavagem.
- Evita extração de compostos indesejados.
- Mantém a clareza e reduz adstringência.
Pontos fracos
- Temperaturas acima de 78 °C podem extrair:
- taninos (adstringência),
- compostos fenólicos indesejáveis.
Impactos Gerais das Rampas no Perfil Final da Cerveja
1. Cor
- Rampas mais longas em temperaturas altas podem intensificar Maillard → cor mais profunda.
2. Corpo
- Beta-amilase (62–65 °C) → corpo leve
- Alfa-amilase (67–71 °C) → corpo alto
3. Espuma
- Proteólise moderada → melhora
- Proteólise excessiva → piora
- Alfa-amilase → favorece espuma pela formação de dextrinas
4. Fermentação
- Beta-amilase → maior atenuação
- Alfa-amilase → menor atenuação
- Proteólise → melhora FAN e protege contra fermentações estressadas
5. Off-Flavours
- Rampas mal conduzidas podem induzir:
- diacetil (proteólise insuficiente ou má fermentação)
- álcool quente (mosto muito fermentável → fermentação intensa)
- adstringência (mash-out acima do ideal)
- sulforosos (pH errado devido a acid rest extremo)
Conclusão
As rampas de mosturação são ferramentas fundamentais para definir o perfil sensorial e tecnológico da cerveja. Cada temperatura ativa grupos enzimáticos específicos que impactam:
- eficiência da fermentação
- formação de açúcares fermentáveis
- nutrição da levedura
- estabilidade, corpo e espuma
- perfil aromático e riscos de off-flavours
Compreender o efeito de cada etapa permite ao cervejeiro montar perfis de mosturação sob medida para cada estilo e controlar com precisão o resultado final da cerveja.
