Importante: o termo fermentação em garrafa costuma confundir — na verdade trata-se de uma fermentação secundária em garrafa, porque a fermentação principal já ocorreu no tanque. Depois do envase, a cerveja pode fermentar novamente com a levedura remanescente ou com leveduras/microorganismos adicionados, usando açúcares fermentáveis (açúcar puro ou speise — mosto não fermentado).

Quando e por que usar fermentação em garrafa

  • Pode ser aplicada em quase todos os estilos, mas há exceções.
  • A fermentação em garrafa é muito comum em estilos tradicionais (ex.: cervejas de trigo, algumas belgas) e em cervejas artesanais onde se deseja carbonatar naturalmente e/ou deixar microflora atuar.
  • Vantagens: carbonatação natural, evolução de aromas em garrafa, maior vida útil (dependendo do método).
  • Riscos: controle de contaminação, necessidade de calcular corretamente a quantidade de speise para evitar sobrecarbonatação.

Opções de leveduras / microorganismos para a segunda fermentação

  1. Mesma levedura da fermentação principal
    • Método mais simples: engarrafa-se a cerveja verde contendo a levedura ainda em suspensão; adiciona-se speise e deixa-se fermentar na garrafa.
    • Temperatura: normalmente acima de 15 °C para leveduras de alta fermentação; uma semana costuma ser suficiente para carbonatação, podendo depois maturar a frio (opcional).
  2. Levedura diferente (ou outra espécie)
    • Ex.: engarrafar com levedura de baixa fermentação — exige retirar/assentar ao máximo a levedura de alta fermentação (resfriamento e decantação) antes do envase.
    • Após envase, armazenar a 8–10 °C para ativar a levedura lager; a levedura alta ficará inativa nessas temperaturas.
  3. Microorganismos especiais
    • Brettanomyces, Saccharomyces diastaticus, Lactobacillus, etc., são usados para sours e fermentações espontâneas.
    • Fundamental conhecer o espectro de fermentação desses microrganismos (quais açúcares eles consumirão) para prever atenuação, aromas e segurança.

Aviso prático: Evite combinar leveduras com requisitos térmicos conflitantes sem separar as populações—por exemplo, começar com lager (baixa) e depois tentar induzir uma levedura alta na garrafa pode produzir subprodutos indesejados.

Como calcular a quantidade de speise (passo a passo)

A quantidade de speise deve ser calculada para atingir o teor de CO₂ desejado na cerveja final. A regra empírica “10% do volume” funciona em muitos casos, mas pode ser imprecisa; abaixo um método claro.

Premissas básicas

  • Relação fermentação: 1 g de açúcar → 0,5 g CO₂ (e 0,5 g álcool).
  • Determine:
    1. CO₂ alvo (g/L) da cerveja final (ex.: lager ≈ 5 g/L; trigo ≈ 6–7 g/L; barley wine ≈ 2–3 g/L).
    2. CO₂ já presente na cerveja verde (depende da temperatura e pressão durante a maturação; ex.: a 10 °C um litro de cerveja verde contém ≈ 2,27 g CO₂/L).
    3. Conteúdo de açúcares fermentáveis do speise (g/L) — mensurado por método apropriado (ex.: método do tubo de fermentação).
    4. (Se aplicável) um ajuste para considerar que parte do speise será usada também para gerar CO₂ final e/ou pré-aumentar o conteúdo fermentável — no exemplo abaixo subtrai-se 10 g/L como margem.

Exemplo numérico (passo a passo):

  • CO₂ alvo = 5,00 g/L
  • CO₂ já presente na cerveja verde (a 10 °C) = 2,27 g/L
  • Necessidade adicional de CO₂ = 5,00 − 2,27 = 2,73 g CO₂/L
  • Como 1 g açúcar produz 0,5 g CO₂ → açúcar necessário = 2,73 ÷ 0,5 = 5,46 g açúcar/L (necessário por litro de cerveja)

Supondo que o speise tem 85 g fermentáveis por litro (85 g/L) e que reservamos 10 g/L de margem (p.ex. para compensar perdas/garrafação):

  • Açúcar útil por L de speise = 85 − 10 = 75 g/L
  • Volume de speise necessário por litro de cerveja:

 

→ 0,0728 L speise por litro de cerveja = 7,28 L por hectolitro.

Resultado: ≈ 7,28 L/hl, bem abaixo da regra prática de 10% do volume total.

Observações sobre o cálculo:

  • Ajustes variam conforme: temperatura inicial, CO₂ já dissolvido, composição real do speise, eficiência de fermentação da levedura em baixas temperaturas, perdas por contaminação/adsorção.
  • Use sempre medidas reais (densidade do speise, temperatura do mosto) e, se possível, ferramentas/planilhas para evitar erros.

Procedimento prático recomendado

  1. Medir FG (final gravity) após fermentação principal para confirmar atenuação.
  2. Preparar o speise: medir densidade e calcular o teor de açúcares fermentáveis.
  3. Decidir levedura a usar na garrafa (mesma, outra, ou microrganismos especiais) e ajustar temperatura de guarda adequada.
  4. Calcular volume de speise usando o método acima.
  5. Misturar cuidadosamente o speise à cerveja verde (evitar oxigênio excessivo).
  6. Engarrafar com garrafas limpas e sanitizadas.
  7. Armazenar à temperatura adequada à levedura selecionada até atingir a carbonatação desejada; depois, opcionalmente, maturar a frio para clarificar e “encaixar” o CO₂.

Dicas e cuidados práticos

  • Evite oxigenação durante a mistura e envase — oxidantes estragam aromas.
  • Use garrafas e tampas capazes de suportar a pressão calculada (atenção em cervejas muito carbonatadas).
  • Para estilos com leveduras selvagens ou Brett, mantenha rigidez nos procedimentos de limpeza; esses microrganismos são persistentes.
  • Se não tiver certeza, realize testes em pequena escala (algumas garrafas) antes de engarrafar um lote inteiro.
  • Documente temperaturas, volumes e densidades para repetir resultados bons ou evitar erros.

Conclusão

A fermentação em garrafa é uma técnica versátil que, quando bem compreendida e calculada, permite carbonatação natural controlada e desenvolvimento sensorial desejado. O ponto-chave é calcular corretamente a quantidade de speise e escolher a levedura/microorganismo e regime de temperatura adequados ao estilo desejado. Testes pequenos e medições precisas aumentam bastante a segurança do processo.

 

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